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Vale a pena entrar na Justiça

Passados três anos, cliente Ford é vitorioso em processo contra concessionária, que vendeu carro retocado. Em ação mais complexa, dono de Voyage é indenizado depois de 15 anos

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Leilão acontecerá no dia 17 de novembro Fotos: RM Sotheby’s/Divulgação

Um cliente compra um carro zero em concessionária autorizada e descobre que havia sido batido; outro compra automóvel de particular e tem o veículo apreendido porque consta em seu registro que havia sido furtado. Os dilemas são diferentes e cada dissabor tem sua dimensão. Em comum, os dois consumidores tiveram a coragem e a paciência necessárias para encarar o moroso trâmite judicial. O empresário Marcos Lázaro Martins Ribeiro teve mais sorte e sua pendência foi decidida em pouco mais de três anos. Já o comerciante Adir Lopes Pereira esperou cinco vezes mais e há cerca de dois anos comemora uma vitória que parecia inatingível. A demora foi proporcional à complexidade das histórias, mas o sabor de ter o direito reconhecido é universal e serve de exemplo para aqueles que não acreditam.

BATIDO Em 2005, o empresário Marcos Lázaro Martins Ribeiro comprou, na Ford BHFor, um Fiesta 1.0 zero-quilômetro. Tempos depois, o automóvel foi arranhado e Marcos precisou levá-lo para um serviço de laternagem. Foi quando descobriu que o carro já havia sido retocado e reformado. “Eu nem acreditei quando disseram, porque teoricamente tinha adquirido um carro novo. Mas outros profissionais falaram a mesma coisa. A sensação de revolta, impotência e frustração foi enorme, mas levantei a cabeça e fui atrás de meus direitos”, diz Marcos.

Em fevereiro de 2007, o advogado Wanderson Rocha de Almeida entrou com a ação, na comarca de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, a 115 quilômetros de Belo Horizonte, onde mora o empresário. E em abril do ano passado já estava sendo dada a sentença, favorável a Marcos. Na sentença, o juiz Aurelino Rocha Barbosa reconhece que todo veículo novo gera satisfação, “porém, tal satisfação certamente é quebrada, vindo a se converter em fonte de dissabores, quando se descobre que o veículo adquirido como novo veio a ser sinistrado”. A BHFor foi condenada ao pagamento de R$ 5.198 por danos materiais, calculados com base na depreciação do carro, e que devem ser corrigidos monetariamente desde a data da compra, e mais R$ 10 mil por danos morais.

Como a BHFor recorreu fora do prazo, o processo já transitou em julgado e está sendo iniciado o cumprimento da sentença. “O recurso foi rejeitado, e o juiz já bloqueou a conta bancária da empresa”, afirma o advogado. “Esse tipo de procedimento está ficando comum. Eu mesmo já tenho outra ação no mesmo sentido. Antigamente, quando você ia comprar um carro usado, levava mecânico para uma checagem antes da compra; agora tem que fazer isso com o carro zero também...”, continua.

Consultada, a BHFor afirmou que foi surpreendida com a condenação, uma vez que não foi feito nenhum reparo no carro. Mas tendo em vista a perda de prazo, foi impossibilitada de comprovar a inocência. E, para encerrar o processo, fez uma composição amigável com o cliente.

FURTADO Bem mais complexa foi a história em que se viu envolvido o comerciante Adir Lopes Pereira. Em 1993, ele comprou, de um conhecido, um VW Voyage 1987. Depois de um ano, como pretendia abrir uma autoescola, resolveu transferir o carro para a empresa. Neste momento, foi constatado, pelo Detran-MG, que o veículo em questão havia sido furtado, em 1988, no Rio de Janeiro, estado no qual o automóvel havia sido emplacado pela primeira vez. O carro foi apreendido, e a Adir restou o prejuízo de R$ 6,8 mil pagos pelo Voyage na época.

O comerciante então procurou o conhecido que lhe havia vendido o carro, mas não houve acordo, até porque este alegava também ter sido enganado — desde o furto, em 1988, o automóvel teve seis proprietários até ser comprado por Adir –, e a solução foi mover uma ação judicial, iniciada em dezembro de 1994. Assim, Adir acionou o antigo proprietário, que por sua vez acionou quem lhe vendera e, sucessivamente, em cadeia, todos os ex-proprietários se viram envolvidos no processo. Dois deles também acionaram o Estado de Minas Gerais por responsabilidade, tendo em vista o veículo ter sido transferido por seis vezes sem que nenhuma irregularidade fosse constatada.

Com o envolvimento do Estado, o processo saiu da 21ª Vara Cível e passou a tramitar na 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias, da qual foi proferida sentença em junho de 2001. Na decisão, o juiz Antônio Sérvulo dos Santos julgou improcedente a denúncia contra o Estado, observando que “o fato de o veículo haver sido vistoriado por várias vezes pelas autoridades policiais não gera nenhuma presunção de culpa da Administração pela aquisição de veículos com origem ilícita ou duvidosa, pois na aquisição de bens móveis opera-se a tradição com a simples entrega dos bens e não houve qualquer intervenção do Estado no negócio realizado entre as partes”.

Já no que tange à negociação entre os envolvidos, o juiz decidiu que “não há dúvida de que o réu responde pela indenização pleiteada, pois quem vende veículo furtado deve responder pelos danos sofridos pelo adquirente”. E, assim, julgou procedente o pedido de indenização de Adir, determinando o pagamento de valor correspondente a um VW Voyage 1987, acrescido de juros de 0,5% ao mês, a partir da citação, e de mais honorários de 10% sobre o valor do débito. Além disso, o juiz determinou que todos os ex-proprietários, já envolvidos no processo, estavam condenados, sucessivamente, a indenizar o imediato comprador. Ou seja, a partir de quem vendeu o carro para Adir, de trás para frente, cada um deveria indenizar quem lhe comprou o carro. É a chamada ação de regresso.

O problema é que a sentença foi dada em 2001, mas só pôde ser executada em 2009, ou seja, 15 anos depois do início do processo. Os advogados responsáveis pela ação, Marcello Gomes Pereira e Vanilda Pereira da Conceição, explicam que de 2001 a 2008, sucedeu-se uma fase de recursos, sem que houvesse alteração significativa no processo ou modificação na sentença. E finalmente, em maio de 2009, foi feito um acordo entre Adir e o conhecido que lhe vendera o carro, sendo o comerciante indenizado em R$ 42 mil, curiosamente, mais do que o suficiente para a compra de um atual VW Voyage zero-quilômetro (1.0 ou 1.6), que nada mais tem em comum com o da época.

E o processo continua. Atualmente, o conhecido de Adir tenta executar quem lhe vendera o carro que, por sua vez, depois de pagá-lo, poderá pedir indenização de quem o vendeu e assim sucessivamente.