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Setor de transportes sem acidentes de trânsito: utopia ou sonho possível?

Evento discute dados alarmantes de colisões de trânsito nas rodovias mineiras e instiga transportadores a desenvolver métodos para controlar e reduzir tragédias nas estradas

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Setor de transportes sem acidentes de trânsito: utopia ou sonho possível?
Leilão acontecerá no dia 17 de novembro Fotos: RM Sotheby’s/Divulgação

Controle da jornada de trabalho do motorista e da velocidade do caminhão são medidas que podem ajudar a evitar acidentes


Mobilizar o setor do transporte de cargas com a filosofia de zerar acidentes e tentar mudar a imagem negativa que a sociedade tem dele foi o objetivo de seminário realizado esta semana em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, do qual participaram empresários, motoristas, consultores e representantes de órgãos de trânsito do estado. Dono da maior malha viária do Brasil, Minas Gerais é campeão em acidentes de trânsito, contabilizando quase 140 mil entre 2011 e setembro deste ano somente nas rodovias federais. E, em média, os acidentes envolvendo caminhões representaram 30% desse total. O seminário Zero acidentes foi realizado pelo Programa Volvo de Segurança no Trânsito (PVST).

 
“Minas Gerais tem um desafio grande. Mas o ideal de zero acidentes é um sonho que pode acontecer no futuro, dependendo da parceria por parte da sociedade, que tem que estar envolvida”, afirmou o consultor do programa, J. Pedro Corrêa. “Num país que não tem segurança como prioridade, como fazer?”, instigou.

JORNADA Sim, é possível fazer. Depoimentos de transportadores e controladores de frota revelaram medidas que vêm ajudando na redução de acidentes no estado. Entre elas, o controle da jornada de trabalho, o uso de tecnologia capaz de controlar a maneira de dirigir do motorista e, obviamente, muito treinamento. “Eu falo por experiência própria. O controle da jornada de trabalho reduz acidentes. E acidente também tem custo”, garantiu o presidente da Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Fetcemg), Vander Costa, lembrando que também é preciso uma mudança de cultura empresarial no sentido de que controlar a jornada do motorista gera mais custo. “A lei do motorista (Lei 12.619, de 2012) simplesmente trouxe transparência ao reforçar que, como qualquer pessoa, ele deve trabalhar oito horas por dia num total de 44 horas semanais. E o excesso de jornada impunha muitos acidentes. Reduzir acidentes é possível, sim, e gera retorno”, enfatizou.


Outro exemplo veio do presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Setcemg), Sérgio Pedrosa. “Há 15 anos, minha empresa tinha 15 caminhões e havia dois acidentes com perda total do caminhão por ano. Hoje, temos 400 caminhões e nenhum acidente desse porte”, exemplificou, ressaltando que não houve perda de produtividade nem queda no faturamento. Segundo Pedrosa, isso foi possível graças a um sistema de gestão, passando pela manutenção do veículo e qualidade de vida do trabalhador, além dos controles da jornada de trabalho e de velocidade e muito treinamento. Ele acrescenta que uma distribuidora de combustível para a qual trabalha já tem meta parecida rumo a zero acidentes. “Aconteciam cerca de 23 fatalidades envolvendo o produto deles. Agora, há pelo menos três anos não há nenhuma morte. E a gente não trabalha mais no acidente, mas na investigação do quase acidente.”

ISO 39001 Uma luz para quem ainda está no início desta caminhada vem da norma ISO 39001, certificação cujo tema central é a segurança viária. Ainda não existe nenhuma transportadora no Brasil certificada pela nova norma, que, aliás, ainda não foi traduzida para o português. No entanto, o especialista no assunto Paulo Gottlieb, da Transtech, empresa especializada em segurança no trânsito, explicou que ela se assemelha a outras já aplicadas no Brasil, como a ISO 9001 e a ISO 14001. Além disso, garantiu que a empresa interessada pode contratar um organismo especializado, que se encarrega da tradução. Ele reforçou a possibilidade de a empresa ou órgão de trânsito começar a aplicar os conceitos da norma, independentemente da certificação, já que sua aplicação está diretamente relacionada a requisitos que buscam eliminar acidentes. Para simplificar, ele destacou cinco metas que devem nortear a implantação de um programa: conhecer a sinistralidade da empresa, apurando e investigando as causas (sem o objetivo de procurar culpados); identificar a principal causa: se relacionada a falha humana, do veículo ou condições da via; compilar os dados e ver os custos; traçar metas; fazer um plano detalhado para atingir essas metas. “Acidentes são evitáveis”, ressaltou.

Palavra de especialista
Osias Baptista Neto,
consultor em transporte e trânsito
Trânsito inadmissível
“Viajo muito. Lembro que quando comecei a dirigir, o caminhoneiro era meu amigo. Dava sinal, brilhavam aquelas luzes todas, depois te cumprimentava. Eu tinha a sensação de que não estava sozinho na estrada. Quando o carro quebrava, sabia que ele ia me ajudar. Hoje, o caminhoneiro é o camarada que vem cortando em fila dupla e me faz ter que ir para o acostamento. E vejo muita gente falar: ‘Cuidado, porque vem uma carreta’. Esse medo é patente nas pessoas. Ficam com medo daquele anjo que era meu amigo. E que eu acho que continua sendo. Tudo isso me faz lembrar o filme Coração Valente, do Mel Gibson, num momento em que falam que perder vidas faz parte do custo da guerra. Isso é inadmissível. Não é parte de coisa nenhuma. E no trânsito é semelhante. São milhares de pessoas que morrem por ano. Um custo altíssimo para os cofres públicos, além das vidas. Em 2009, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou a década de redução de acidentes, todos os países começaram a fazer alguma coisa nesse sentido. E o Brasil não está fazendo nada. Fez uma das melhores campanhas contra a Aids, que mata 12 mil pessoas por ano; muitas campanhas contra a dengue, que mata 800 pessoas por ano; mas faz campanhas pífias de educação para o trânsito, que mata de 40 mil a 60 mil pessoas por ano. É inadmissível que uma pessoa morra em um acidente de trânsito. Assim como nenhum motorista sai de casa pensando que naquele dia vai matar alguém. Ou seja, é inadmissível deixar isso acontecer.”