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Guardrails viram armadilhas nas estradas de Minas

Falta de manutenção e erros de montagem tornam os guardrails verdadeiras armadilhas para motoristas que eventualmente percam o controle da direção e se deparem com eles

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Leilão acontecerá no dia 17 de novembro Fotos: RM Sotheby’s/Divulgação

Uma das principais funções das defensas metálicas, popularmente conhecidas como guardrails, é promover a desaceleração do veículo durante o impacto, atenuando as circunstâncias de um acidente. Para decidir sobre sua implantação e qual o tipo mais adequado, o projeto da via leva em conta diversos fatores, como o traçado, a velocidade permitida para o local, raio de curva, fluxo de veículos etc. Mas, seja como for, alguns pontos são pré-requisitos, como o aterramento de pontas (ou algum outro tipo de proteção mais moderna, como contenção de borracha) no sentido do tráfego, a montagem das lâminas de modo que não haja sobreposição também no sentido do tráfego e obviamente a manutenção adequada para evitar pontas soltas, que podem entrar dentro do veículo, ferindo gravemente e até matando os ocupantes.

 

 Veja fotos dos flagrantes nas estradas de Minas Gerais

 

Na semana passada, a reportagem do caderno Vrum percorreu 238 quilômetros de rodovias do estado, entre trechos federais e estaduais e vias dentro do município de Belo Horizonte. Não foi preciso ir muito longe para flagrar muitos perigos ao nosso redor.

 

Poste vale mais que uma vida

Enquanto em muitos trechos são encontrados guardrails totalmente sem manutenção e pontos perigosos sem proteção, uma coisa é quase certa: onde há um radar há uma defensa metálica.

Ano passado, falta de proteção na BR 040 provocou encontro fatal de um SUV com árvores, matando um casal e dois filhos


 

A reportagem percorreu trechos das BRs 040 (saída para o Rio de Janeiro) e 381 (saída para Vitória), das MG 05 (saída para Sabará) e MG 10 (caminho para Confins), do Anel Rodoviário e de outros pontos dentro do município de Belo Horizonte. “São muitas as pontas esperando um motorista incauto com um pouco mais de velocidade para bater de frente. E aí é uma tragédia só. Não sei como os caras não veem essas coisas”, afirma o instrutor de direção defensiva e ex-piloto de teste de montadora Rogério Mateus, que acompanhou a reportagem comentando alguns pontos perigosos. Por outro lado, é comum ver guardrails em bom estado fixados para proteger postes de radar. “Muitos foram colocados exclusivamente para resguardar os radares. Já as canaletas, que deveriam estar para dentro das defensas, para evitar que o carro caia lá dentro, em muitos casos estão de fora”, aponta Rogério.

 

Além de ajudar na desaceleração e contenção do veículo, os guardrails têm a função de sinalização da via, segundo o professor Marcelo Porto, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele explica que são usados em curvas e próximos a algum outro tipo de perigo como um barranco, despenhadeiro, encosta de rio etc. “Sua instalação é contemplada no projeto da via. E é uma medida de segurança, pois, se o carro passa direto, vai haver mais danos. Neste caso, então, devem cumprir a função de desacelerar até a parada total, impedindo que o veículo ultrapasse aquele limite”, diz. Sobre a proteção dos radares, ele acrescenta que o radar é que nunca deveria estar na pista de rolamento ou no acostamento. “Deveria estar do lado de fora. E, nesse caso, não precisaria haver um elemento de proteção para ele. E se você pensar que o radar é um redutor de velocidade, o guardrail se torna mais dispensável ainda”.

Na BR 040, sentido Rio de Janeiro, guardrail entra pelo gramado e ponta saliente pode jogar o veículo para o outro lado da pista


Por outro lado, muitas vezes, árvores bem próximas à rodovia ficam desprotegidas, transformando-se em armadilhas. “Se a árvore não está protegida, o carro vem e bate, estraçalha todo”, continua o professor. Aliás, em 13 de dezembro do ano passado, um acidente no km 557 da BR 040, sentido Rio de Janeiro, matou quatro pessoas de uma mesma família, quando, sob chuva, um SUV desgovernado bateu em duas árvores no canteiro central.

Na BR 381, sentido Vitória, há poucos guardrails. Na altura do km 441, defensas foram instaladas para proteger os radares

 

Um ponto polêmico diz respeito às canaletas criadas para escoamento de água, muitas vezes bem profundas, sendo uma ameaça aos usuários das vias. Conforme Rogério Mateus, o guardrail deveria ser fixado antes da canaleta, impedindo que as rodas de um veículo eventualmente possam cair nela. Para o professor Marcelo, podem estar antes ou depois da canaleta, dependendo do projeto da estrada. “A canaleta é importante para a retirada de água da pista. Mas, em um mundo ideal, o bom seria que não houvesse canaleta entre a via e o guardrail, pois um carro descontrolado cai na canaleta e não consegue voltar para a pista. Quando chega até a defensa, já bateu. Não adianta mais”, observa o engenheiro mecatrônico, pós-graduado em mecânica automobilística Alessandro Rubio, integrante da comissão técnica de Segurança Veicular da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE).

A MG 10 tem exemplos de guardrails bem aplicados e com lâmina dupla. Lâmina simples, em alguns pontos, é perigoso para motos

 

No Brasil, a produção de guardrails segue diversas normas técnicas, em especial as 6.970, 6.971 e 14.282 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e NBR 6.323. Quase sempre, os mais indicados são os maleáveis, que se deformam plasticamente ante o impacto de veículos, com lâminas simples ou duplas. Apesar de bem mais usadas, as lâminas simples oferecem perigo a motociclistas, conforme alertam Rogério Mateus e Alessandro Rubio. “No Brasil, temos muitos acidentes com motos. O ideal para o motociclista é o guardrail duplo, pois no simples ele bate na chapa e machuca. O duplo evita isso”, avalia Rubio. Não é à toa que, no jargão popular, os guardrails simples ficaram conhecidos como fatiadores de motoqueiros. Finalmente, os especialistas fazem um alerta quanto à montagem das lâminas, o que muitas vezes é feito de forma inadequada, com a parte cortante para fora: perigo iminente para motociclistas e usuários de automóveis. Confira alguns de nossos flagrantes.

Na MG 10, quem volta de Confins para a capital corre risco de se deparar com poste, protegido por guardrail no sentido contrário

 

DER RESPONDE
Em resposta à reportagem, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informou que órgãos públicos e privados têm normas e critérios técnicos que estabelecem as condições mínimas para adoção da contenção, baseados em fatores como tipos e geometria da via, velocidade, tráfego, altura de aterros, áreas de preservação etc. O fato de a barreira ser dupla ou simples está relacionado à rigidez da defensa, sendo adotada a dupla onde se entende que a simples é insuficiente. Em relação à manutenção, o órgão informou que em caso de choque as peças danificadas são substituídas. O Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) não se pronunciou.

No Viaduto São Francisco, além da lâmina de guardrail solta, o poste, no canteiro central, não tem nenhuma proteção

Na MG 05, saída para Sabará, guardrail foi quebrado. Lâmina afiada e pedaços de postes de sustentação aguardam incautos

Na alça do Viaduto São Francisco do Anel Rodoviário, o veículo desgovernado que escapar da lâmina solta e afiada do guardrail montado ao contrário, pode bater no poste, à frente, sem proteção

Rogério Mateus mostra canaleta profunda. Se a roda cair na vala, de pouco adianta o guardrail