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Falta de concentração é a principal causa de acidentes no trânsito

Mais do que uso de álcool, falhas mecânicas ou problemas na estrada, o maior fator causador de acidentes é a falta de atenção do motorista

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Falta de concentração é a principal causa de acidentes no trânsito
Leilão acontecerá no dia 17 de novembro Fotos: RM Sotheby’s/Divulgação

Se dirigir, não se distraia


Mais do que uso de álcool, falhas mecânicas ou problemas na estrada, o maior fator causador de acidentes é a falta de atenção do motorista. A constatação é de um estudo norte-americana realizada com mais de 3,5 mil motoristas publicada nessa semana na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas). Os pesquisadores instalaram câmeras, sensores e radares nos carros dos participantes e verificaram que os condutores passam mais da metade do tempo envolvidos com alguma atividade que pode afetar a concentração. De acordo com o estudo, 68% das 905 batidas registradas durante o estudo foram causadas por algum tipo de distração.

O estudo envolveu dados coletados ao longo de mais de 90 milhões de quilômetros percorridos. No artigo, os autores constataram que o celular, o rádio e o consumo de alimentos são alguns fatores que aumentam as chances de acidentes em 200%, na média. Os telefones e outros equipamentos eletrônicos são mesmo os grandes vilões. Fazer e receber ligações, ler ou digitar mensagens e utilizar telas sensíveis ao toque estão entre as atividades mais perigosas, ao lado da tentativa de alcançar algum objeto dentro do carro. Cada hábito, contudo, traz riscos diferentes. Enquanto falar ao celular aumenta a chance de colisão em 2,2 vezes, digitar um número no aparelho aumenta esse perigo em mais de 12 vezes. Até mesmo manusear o painel do carro pode ser motivo para distração: mexer no ar-condicionado aumenta as chances de acidentes em 2,3 vezes, e sintonizar o rádio quase dobra as probabilidades de batida.

Segundo os responsáveis pelo trabalho, episódios de distração parecem passar desapercebidos por policiais que atuam no trânsito, uma vez que muitas dessas ocorrências acabam registradas como direção perigosa. “Seguir o outro carro perto demais, por exemplo, tem uma notável baixa prevalência nesse estudo. Mas esse é um fator que aparece frequentemente em relatórios policiais de investigações”, compara Tom Dingus, diretor do Instituto de Tecnologia em Transporte de Virgínia e principal autor do estudo. Apenas 0,7% dos motoristas analisados nesse estudo cometiam o erro de não manter distância segura do carro da frente, e outros erros como violação de sinalizações, falha em checar o ponto cego ou ultrapassagens imprudentes também eram raros. “Pode-se suspeitar que distrações tenham sido subnotificadas em relatórios policiais e investigações”, acredita o pesquisador.



A tentação mais comum constatada pelos pesquisadores é a simples conversa com outro passageiro, uma atividade que manteve os motoristas distraídos em quase 15% das situações analisadas. Embora seja comum bater um papo com alguém durante uma viagem de carro, o levantamento revelou que conversar na direção pode aumentar as chances de acidente em 1,4 vez. Já a presença de uma criança no veículo pode ter o que os pesquisadores chamam de “efeito protetor”: o risco de acidentes cai pela metade quando um pequeno está presente. “Isso pode ser porque os pais geralmente dirigem com mais cuidado quando o filho está no carro”, acredita Dingus.

Para especialistas, os dados ressaltam a importância de atenção ao volante, independentemente da capacidade ou da experiência do motorista. “Quando acontece um acidente, em geral o erro é da pessoa. O fator humano é o maior responsável por desastres”, ressalta Ingrid Luiza Neto, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Comportamento em Transportes e Novas Tecnologias da Universidade de Brasília (UnB). “Pesquisas mostram que motoristas tendem a ter uma percepção de controle da situação. Mas, mesmo que uma pessoa seja um motorista excelente, uma distração é sempre um fator de risco”, alerta.

Inteligentes?
O grupo norte-americano atualmente está coletando dados de motoristas da China, do Canadá e da Austrália, que ajudarão a mostrar se os fatores de distração seguem uma tendência global. Os pesquisadores acreditam que as informações podem ser usadas na formulação de programas educativos e como referência para a criação de leis de trânsito — em alguns lugares dos Estados Unidos, ainda é permitido falar ao telefone celular na direção. Os autores também esperam alertar fabricantes de carros que desenvolvem sistemas eletrônicos que evitam colisões e equipamentos interativos integrados aos veículos, duas tendências atuais da indústria automobilística, sobre efeitos contraditórios que essas tecnologias podem exercer sobre a segurança do motorista. De acordo com a pesquisa, lidar com dispositivos instalados no carro aumenta as chances de acidente em 4,6 vezes.

Entre os acessórios oferecidos pelos chamados “carros inteligentes” estão sistemas de navegação, assistentes pessoais e até mesmo programas que facilitam o acesso a redes sociais. Um estudo da Universidade de Utah colocou à prova os modelos de smartcars que estão em circulação nos Estados Unidos e constatou que esses veículos podem ser verdadeiras armadilhas para os motoristas. Usar um sistema de navegação ativado por voz, por exemplo, distrai mais o motorista do que o telefone celular. “Sistemas baseados em voz podem ser muito distrativos”, ressalta David Strayer, autor da pesquisa.

Para o especialista, grande parte do perigo está na forma como esses sistemas são construídos. Enquanto alguns são mais intuitivos e não exigem muito mais atenção do que uma conversa comum, outros requerem um tipo de raciocínio que prende a mente do motorista por um tempo precioso. Nos experimentos realizados pela equipe de Strayer, foi comprovado que um sistema com voz computadorizada causa mais distração do que um programa com voz natural ou gravada. Em alguns testes, a interação frustrada dos motoristas com alguns dos equipamentos mais complexos acabavam em xingamentos e deixavam o condutor num estado de espírito perigoso. “Um motorista não deveria ter de aprender uma linguagem especial para interagir com um veículo novo”, avalia.

Emoções
Mesmo que o motorista esteja com as duas mãos no volante e livre de equipamentos eletrônicos, ele pode carregar consigo um elemento de distração poderoso: a emoção. Estudos também mostram que o cérebro afetado por sentimentos como tristeza, raiva ou outro tipo de agitação é mais propenso a cometer erros na direção. O estudo publicado na PNAS confirma isso: as chances de acidente aumentam em quase 10 vezes nesse tipo de situação. O risco é semelhante ao de dirigir lendo ou escrevendo e quase três vezes maior do que pegar o volante cansado.

Algo semelhante foi constatado em testes realizados com simuladores, nos quais motoristas estimulados com frases negativas apresentaram reações mais lentas, dirigiram em velocidade reduzida e tenderam a deixar o veículo sair da faixa de rolamento. “A emoção prejudica a atenção do motorista ao desviar os recursos cognitivos da tarefa de dirigir. Foi demonstrado que regiões específicas do cérebro, em particular a amígdala, amplificam as respostas neurais à emoção. Como a amígdala é fortemente conectada a outras regiões do cérebro, ela controla a cognição ao reduzir a ativação nas regiões cerebrais que são importantes para a condução”, explica Michelle Chan, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de Alberta.

A cientista realizou uma série de análises sobre como os motoristas reagem a estímulos emocionais poderosos. Ela constatou que as emoções podem afetar o funcionamento do cérebro ou simplesmente fazer a pessoa pensar em outras coisas enquanto dirige. Os experimentos demonstraram que um simples outdoor com uma frase apelativa é capaz de afetar a atenção do condutor, que acaba perdendo dicas visuais importantes, como a sinalização ou até mesmo a presença de um pedestre. “Os motoristas podem evitar atividades que possam levar a sentimentos emotivos, como ouvir a certos tipos de música, ouvir às notícias do rádio ou discutir com um passageiro”, aconselha Chan.