A última decisão do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) de obrigar os transportadores escolares a usar os dispositivos de retenção infantil (DRCs), conhecidos de maneira geral como cadeirinhas, tem tantas incongruências que o ponto mais distante de se alcançar, infelizmente, é a segurança infantil. Primeiro porque não há cintos de segurança de três pontos nos bancos de trás da maioria dos escolares, sendo impossível e perigoso instalar tais equipamentos; segundo porque a legislação deixa tantas brechas que a exigência pode ser considerada nula, conforme a interpretação. Além disso, a decisão, na opinião dos transportadores escolares, é fruto de lobby de parte da indústria automotiva e abre caminho para a temida padronização dos veículos, passando o transporte a ser feito apenas por ônibus – também sem cadeirinhas – e dominado por grandes empresas.
CALVÁRIO Marcos Gomes precisou de um escolar para o transporte do filho de 4 anos. A primeira providência foi procurar um veículo credenciado e, no momento do primeiro embarque, levar a cadeirinha. Mas qual não foi a surpresa ao descobrir que não era possível instalá-la, uma vez que o veículo, um Fiat Ducato, não tem cinto de segurança de três pontos nos bancos de trás. A solução, uma vez que a criança já completou 4 anos e por isso pode deixar a cadeirinha, foi usar um assento de elevação, o que também não é o correto, pois esse dispositivo (apesar de permitido a partir dos 4 anos) não é apropriado para uso com cinto subabdominal. Marcos tentou outros escolares. Ligou para uma extensa lista fornecida pela escola.
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PADRONIZAÇÃO Para o presidente do Sindicato dos Transportadores Escolares da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Sintesc), Carlos Eduardo Campos, a Resolução 533 do Contran é o primeiro passo para uma padronização que é estudada pelo governo federal desde 2012, após a edição da Portaria Interministerial 1.299. Segundo Campos, o foco principal do estudo é a adoção de ônibus, como os já usados para o transporte escolar rural no programa Caminho da escola, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em substituição às vans amplamente usadas hoje nos grandes centros. Ele questiona o fato de a nova resolução tornar obrigatórios os DRCs em escolares, mas excluir da necessidade os veículos com peso bruto total superior a 3,5t, em que se enquadrariam os ônibus. “Eles obrigam o transporte escolar, mas esses veículos continuam livres da exigência. Então se tornariam padrão para o transporte escolar, e sem a exigência das cadeirinhas”, afirma Campos.
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Cadeirinha e assento elevado obrigatório em vans escolares?
Caso vingue essa padronização, além dos problemas possivelmente gerados no trânsito das grandes cidades, Campos e grande parte dos motoristas de escolares temem por alto desemprego no setor, que seria dominado por grandes empresas, pois o ônibus custa pelo menos o dobro da van. “Os pequenos empresários não sobreviveriam. E iriam para a informalidade, aumentando fortemente o transporte clandestino. O custo da mensalidade também ficaria muito mais alto
para os pais, além das dificuldades de se pegar a criança em casa com o veículo maior”, pondera.
NOTA O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), órgão responsável pelas discussões e normatizações relativas ao Contran, informou que já foram iniciadas conversas com os transportadores escolares e indústria automotiva em busca de se definirem as adequações necessárias ao cumprimento da Resolução 533.
Enquanto isso...
... BHTrans fecha os olhos para gambiarras
Em Belo Horizonte, pelo menos os bebês-conforto e as cadeirinhas já são obrigatórios nos escolares desde 2007, quando a BHTrans publicou a Portaria DPR 63/2007, reforçada em 2011 pela DPR 65. Segundo os escolares, ou a exigência não é cumprida ou, para atendê-la, os motoristas fazem “gambiarras” para instalar os dispositivos, usando ao mesmo tempo dois cintos de segurança subabdominais ou até prendendo a cadeirinha no cinto de dois pontos mesmo... O que pode ser mortal, segundo especialistas. A BHTrans respondeu que “os modelos mais novos de van são equipados com cintos de três pontos”. Mas a resposta não condiz com o que afirmam as montadoras. Segundo fabricantes dos modelos mais vendidos para escolares em nenhum deles há cintos de três pontos nos bancos de trás, nem como opcional. E sua viabilização não é fácil. Por outro lado, a BHTrans não soube responder em quais e/ou em quantos escolares haveria tais cintos nem como encontrá-los na hora da contratação do serviço, e admitiu que durante as vistorias não confere se as vans escolares têm cintos de três pontos.
RESOLUÇÃO NÃO VALE NA PRÁTICA
Mas ainda há uma polêmica maior a ser levantada. E está na própria lei, que deixa margem à invalidação da nova exigência.
ALTERAÇÕES
A Resolução 277/2008 foi mudada em 2010 (Deliberação 100/2010 e Resolução 391/2011), tendo em vista os problemas de adequação surgidos logo após sua entrada em vigor. Com isso, ficou assim a redação do artigo 7º: “O transporte de criança com idade inferior a 10 anos poderá ser realizado no banco dianteiro do veículo com o uso do dispositivo de retenção adequado ao seu peso e altura, nas seguintes situações:
I – quando o veículo for dotado exclusivamente deste banco;
II – quando a quantidade de crianças com essa idade exceder à lotação do banco traseiro;
III – quando o veículo for dotado originalmente (fabricado) de cintos de segurança subabdominais (dois pontos) nos bancos traseiros. Parágrafo único – Excepcionalmente, as crianças com idade superior a 4 anos e inferior a 7,5 poderão ser transportadas utilizando cinto de segurança de dois pontos sem o dispositivo denominado 'assento de elevação', nos bancos traseiros, quando o veículo for dotado originalmente desses cintos.”